Você já se perguntou como as mudanças nas taxas de importação e exportação podem afetar a nossa economia e as indústrias aqui no Brasil? E o que o nosso governo pode fazer quando outros países impõem barreiras aos nossos produtos?
Recentemente, o governo de Donald Trump assinou uma ordem executiva que impõe uma tarifa de 50% sobre diversos itens que o Brasil exporta para os EUA. A medida, que se soma a uma taxa anterior de 10%, gerou apreensão no mercado. No entanto, a decisão veio acompanhada de uma lista com quase 700 produtos isentos, o que trouxe um certo alívio para alguns setores.
Para entender esse cenário, conversamos com o especialista Paulo Afonso, que nos ajudou a analisar os impactos na indústria brasileira e as estratégias para superar o desafio. Confira a seguir.
Quem é Paulo Afonso?
Paulo Afonso é economista, professor universitário e consultor em finanças no varejo. Com doutorado em engenharia e múltiplos MBAs em áreas como agronegócio, finanças e varejo pela USP e ESALQ-USP, ele é uma referência no setor. Além de ser consultor de entidades como a Associação Paulista de Supermercados (APAS), é comentarista econômico e instrutor do Sebrae-SP.
O que mudou com as novas taxas de importação?
A nova tarifa de 50% não se aplica a todos os produtos brasileiros. Na verdade, o governo americano isentou itens importantes da nossa pauta de exportação, como suco de laranja, minérios, aeronaves e petróleo. Esses produtos isentos representam cerca de 45% do total que o Brasil vende para os Estados Unidos.
Por outro lado, a sobretaxa de 50% vai incidir sobre aproximadamente 36% das nossas exportações para o mercado americano, o que em 2024 correspondeu a US$ 14,5 bilhões. Entre os produtos afetados estão alguns de grande relevância para a nossa economia, como carnes e café.
Principais impactos das taxas de importação na indústria brasileira
Para os setores atingidos, o aumento da tarifa representa um grande desafio. Com uma taxa de 50%, o produto brasileiro se torna mais caro no mercado americano, o que pode diminuir a sua competitividade e, em alguns casos, inviabilizar as exportações.
Além disso, a medida gera instabilidade e exige que as empresas brasileiras busquem alternativas para não perderem mercado. A justificativa do governo americano para a medida foi uma suposta “ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos” por parte do Brasil.
Mas, de acordo com o nosso entrevistado, o efeito é mais amplo do que parece.
“Quando a entrada de dólares no país diminui, a oferta de moeda estrangeira encolhe e o câmbio tende a subir. Isso significa que qualquer produto ou insumo importado fica mais caro.
No varejo, o impacto é direto em setores que dependem fortemente de mercadorias estrangeiras, como eletroeletrônicos, eletrodomésticos, equipamentos de refrigeração, bebidas importadas e até insumos para a produção nacional, como embalagens e aditivos alimentícios.
Com preços mais altos, o poder de compra do consumidor brasileiro se reduz, levando à desaceleração no consumo, especialmente em itens não essenciais. Por exemplo, uma rede de varejo que importa vinhos chilenos ou italianos verá o custo de reposição subir, e isso terá de ser repassado ao cliente ou absorvido na margem, o que afeta a rentabilidade”. – Explica Paulo Afonso.
Ele também ressalta o ponto de que um cenário de instabilidade e incerteza econômica tende a reduzir a confiança do investidor. O que pode gerar atrasos em projetos de expansão, dificultar a obtenção de crédito e frear investimentos em modernização, como a adoção de sistemas de autoatendimento ou a renovação de equipamentos no ponto de venda.
“Em resumo, o impacto atinge toda a cadeia, do fornecedor ao cliente final, e enfraquece o ritmo de crescimento do varejo”. – conclui Paulo.
A “Lei da Reciprocidade Econômica” e seus riscos
O Congresso brasileiro aprovou um projeto de lei que autoriza o governo a retaliar países que imponham barreiras comerciais consideradas “injustificadas” aos produtos brasileiros. Essa pode ser uma das respostas do Brasil às tarifas americanas.
Porém, Paulo deixa um alerta de que a retaliação, embora seja um instrumento legítimo de negociação, pode ter efeitos colaterais relevantes.
“Muitos setores industriais e varejistas dependem de insumos, peças e tecnologias americanas. Estamos falando, por exemplo, de máquinas industriais de alta precisão usadas na fabricação de alimentos processados, softwares de gestão e automação para controle de estoque e vendas, e componentes eletrônicos presentes em sistemas de refrigeração, iluminação e segurança”. – exemplifica ele.
De acordo com ele, alguns possíveis impactos no varejo alimentar seriam:
- Dificuldade de importar máquinas de refrigeração com tecnologia de baixo consumo energético, utilizadas em supermercados para conservar carnes e laticínios;
- Escassez de componentes para POS (maquininhas de cartão) e terminais de autoatendimento, afetando diretamente a experiência de compra do consumidor;
- Dificuldades na aquisição de licenças de ERP (sistemas integrados de gestão) desenvolvidos por empresas americanas, que ficariam mais caros ou teriam prazo de entrega maior.
“No curto prazo, essas barreiras elevam o custo de reposição e manutenção, e, em alguns casos, podem causar paralisações temporárias de linhas de produção ou atrasos na operação de lojas. No médio prazo, o aumento de custos tende a ser repassado ao consumidor, pressionando a inflação e reduzindo o poder de compra. Isso compromete margens de lucro e dificulta a manutenção de preços competitivos, levando a uma possível desaceleração das vendas e ao adiamento de investimentos em modernização”. – Explica nosso entrevistado.
Estratégias para a indústria enfrentar este desafio
Diante deste novo cenário de taxas de importação, é fundamental que a indústria brasileira adote estratégias para minimizar os impactos e até encontrar novas oportunidades.
Diversificação de mercados
A dependência do mercado americano pode ser um risco. Por isso, é importante que as empresas busquem novos parceiros comerciais e fortaleçam a presença em outras regiões.
Para Paulo, os três mercados alternativos mais promissores são a China, o Oriente médio e a União Europeia, pelos seguintes motivos:
1° China: mantém uma demanda robusta por carnes bovinas, suínas e de frango, além de grãos como soja e milho.
De acordo com Paulo, para conquistar esse mercado, é preciso superar desafios como o alto custo do frete marítimo e a necessidade de cadeias de frio altamente eficientes para garantir a qualidade no transporte de carnes a longas distâncias.
Além disso, a negociação com compradores chineses costuma envolver contratos de grande volume e prazos rígidos, o que exige capacidade de produção estável.
2° Oriente Médio: com destaque para Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Catar, mercados que valorizam alimentos de alta qualidade, cortes premium e café gourmet.
Nesse caso, as empresas brasileiras precisam atender regras culturais e religiosas, como a certificação Halal para carnes, e adaptar embalagens e rótulos para o idioma e as preferências locais.
A logística aérea, embora mais rápida, é cara e exige otimização de custos.
3° União Europeia: ganha relevância com o avanço do acordo Mercosul-UE.
Esse bloco é um grande importador de carnes, café e produtos agro-industrializados brasileiros, mas impõe barreiras ambientais e sanitárias muito rigorosas, como rastreabilidade da produção e comprovação de práticas sustentáveis.
Também há diferenças culturais e de consumo, por exemplo, cortes de carne e formatos de embalagem que diferem dos padrões brasileiros, que precisam ser ajustados para atender a demanda europeia.
E Paulo ressalta: “Em todos esses casos, não basta apenas encontrar novos compradores; é necessário adaptar processos, investir em logística especializada e estar disposto a atender padrões que, muitas vezes, são mais exigentes do que os do mercado americano”.
Foco na qualidade, eficiência e estratégias de preço
Para competir em um mercado mais exigente, é essencial investir na qualidade dos produtos e na otimização dos processos produtivos. Isso ajuda a justificar o preço e a manter a competitividade.
Mas além da qualidade, nosso entrevistado destaca a importância das indústrias brasileiras investirem em uma precificação inteligente para conseguir manter a competitividade sem comprometer toda a margem.
“Por exemplo, cortes de carne premium destinados aos EUA podem ter preços ligeiramente mais baixos para preservar contratos, enquanto produtos de maior valor agregado, como cafés especiais ou chocolates finos, mantêm margem total.
Outra possibilidade é o dumping seletivo, aplicado apenas em nichos estratégicos para preservar participação de mercado, sempre dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Também é viável buscar parcerias com distribuidores americanos para reduzir custos logísticos e tributários, ou ainda investir em embalagens inovadoras e práticas, como porcionamento ou produtos pré-temperados, que aumentam a atratividade e compensam parcialmente o impacto da tarifa.
Em resumo, a combinação de investimento em produtividade, inovação de produto e estratégia de preços pode garantir que a indústria brasileira continue competitiva, mesmo diante de tarifas elevadas”.

Acompanhamento e negociação
É crucial que as indústrias e o governo brasileiro mantenham o diálogo com os Estados Unidos, buscando reverter ou mitigar as tarifas. A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) já se manifestou, reforçando a necessidade de diálogo para preservar a relação comercial entre os dois países.
Aumento da oferta no mercado interno e oportunidades para o varejo
A queda nas exportações pode trazer efeitos diretos para o mercado interno: com maior oferta de carnes e café e menor demanda externa, os preços tendem a recuar no curto prazo, criando um cenário favorável ao consumo doméstico.
Para o varejo, segundo o especialista Paulo Afonso, isso representa uma oportunidade estratégica.
Supermercados e açougues podem aproveitar a queda de preços para investir em promoções agressivas, oferecendo combos de cortes de carne para churrasco, kits familiares ou opções embaladas a vácuo que prolongam a validade.
No caso do café, além de preços mais atrativos, há espaço para destacar linhas especiais, como versões gourmet, cápsulas e blends exclusivos, valorizando a experiência e não apenas o preço.
Outra recomendação é fortalecer parcerias diretas com produtores e cooperativas, o que garante fornecimento contínuo, custos mais competitivos e produtos de origem certificada — atributo cada vez mais valorizado pelo consumidor. Varejistas também podem explorar programas de fidelidade vinculados a esses itens, incentivando a recompra.
E Paulo destaca: “Por fim, é fundamental comunicar bem essas ofertas, tanto no ponto de venda físico quanto em canais digitais, usando degustações, receitas e conteúdo nas redes sociais para despertar o interesse e educar o cliente sobre a qualidade e a procedência dos produtos. Em outras palavras: não é apenas vender mais barato, é aproveitar o momento para construir relacionamento e agregar valor à marca”.
Olhando para o futuro: reindustrialização e novas parcerias
De acordo com Paulo Afonso, a crise atual pode funcionar como um catalisador para a reindustrialização do país.
Empresas que hoje dependem fortemente de importações de máquinas, equipamentos e insumos encontram um cenário propício para desenvolver soluções locais, o que gera novos empregos e fortalece a cadeia produtiva nacional.
Exemplos disso seriam frigoríficos e fábricas de café investindo em processos automatizados e em equipamentos produzidos internamente, reduzindo a dependência externa.
Nesse contexto, o especialista ressalta que “A busca por alternativas internas pode abrir espaço para inovação e para a consolidação de uma indústria mais competitiva e autônoma.”
Paralelamente, surge também a chance de ampliar relações comerciais com a União Europeia, especialmente a partir do acordo Mercosul-UE.
Carnes, café e sucos brasileiros têm potencial para conquistar espaço em um mercado altamente exigente, que valoriza atributos como qualidade, rastreabilidade e sustentabilidade.
Para isso, será necessário investir em certificações ambientais, padronização de embalagens e controles sanitários rigorosos. Embora desafiadoras, essas adequações ampliam a diversificação de mercados e reduzem a vulnerabilidade a barreiras impostas por um único parceiro comercial.
Conselhos para pequenas e médias indústrias
Segundo nosso entrevistado, o foco das pequenas e médias indústrias deve ser sobreviver e se adaptar rapidamente. Para isso, ele faz 5 recomendações:
- Buscar mercados regionais próximos, como América Latina e África, onde os custos logísticos são menores e as exigências regulatórias mais acessíveis.
- Adaptar o portfólio para o mercado interno, oferecendo produtos diferenciados que agreguem valor, como cortes especiais de carne, cafés gourmet ou embalagens convenientes para famílias.
- Fortalecer parcerias com cooperativas e produtores locais, garantindo fornecimento constante e custos mais competitivos.
- Participar de consórcios de exportação, dividindo custos de transporte, feiras internacionais e prospecção de clientes.
- Ajustar fluxo de caixa e estoques, antecipando períodos de menor demanda externa, para evitar problemas de liquidez.
E complementa: “No varejo, isso pode ser explorado com linhas exclusivas ou produtos de marca própria, que criam diferenciação e fidelizam clientes. A agilidade na tomada de decisão e a capacidade de se adaptar rapidamente ao cenário externo são fatores cruciais para a sobrevivência das pequenas e médias empresas”.
Adaptar para crescer
As novas taxas de importação impostas pelos Estados Unidos representam um desafio para a indústria brasileira, mas também abrem espaço para novas estratégias.
Com foco em diversificação e negociação, é possível superar os obstáculos e encontrar caminhos para o crescimento.
É um momento para focar em qualidade, buscar novos mercados e, claro, otimizar as estratégias de preços e rentabilidade com o apoio da tecnologia.
É um momento que exige atenção e agilidade das empresas e do governo, para que a indústria nacional continue forte e competitiva no mercado global.